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terça-feira, 29 de junho de 2010

Apesar de tudo, preferia estes dois...


Apesar de tudo, preferia o antepassado da vuvuzela

110 anos de Saint-Exupéry


Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry nasceu a 29 de Junho de 1900, em Lyon , (terra do bisavô materno desta blogger que vos escreve) e morreu a 31 de Julho de 1944. Faria hoje portanto 110 anos.

Talentoso escritor e ilustrador, pouca gente sabe que foi piloto da Segunda Guerra Mundial. A sua obra mais conhecida é "Le Petit Prince", escrita em 1943, adorada ao longo de gerações por novos e velhos, pois trata-se de uma alegoria magnífica e intemporal. Esta obra terá sido escrita nos Estados Unidos durante o exílio e tornou-se um romance de grande sucesso de Saint-Exupéry.


"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."

"A perfeição não é alcançada quando não há mais nada a ser incluído, mas sim quando não há mais nada a ser retirado."

"Cada um que passa na nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui outra. Cada um que passa na nossa vida, passa sozinho, mas não vai só nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas há os que não levam nada. Essa é a maior responsabilidade da nossa vida, e a prova de que duas almas não se encontram ao acaso."


Antoine de Saint-Exupéry

domingo, 27 de junho de 2010

Johanna deu o nó


Não dizem que o exemplo vem de cima?
Então, assim que a lei do casamento homossexual foi aprovada, a primeira-ministra da Islândia, Johanna Sigurdardottir, de 67 anos, foi a primeira a casar-se. Johanna foi o primeiro chefe de governo a declarar abertamente a sua homossexualidade.
A sua companheira (na foto abaixo) chama-se Jonina Leosdottir e já tinha constituído com ela uma "união civil registada", hoje convertida em casamento.



"O parlamento de Reiquejavique adoptou por unânimidade no passado dia 12 a legalização do casamento homossexual, lei que entrou hoje em vigor."
Do Expresso.

Primeiramente Johanna foi casada com um banqueiro e mãe de dois filhos. Jonina foi casada com um especialista em Ciência Política, de quem teve um filho. Na Wikipédia o seu perfil já foi actualizado; diz assim:

"Jónína Leósdóttir é escritora, jornalista, argumentista e esposa da primeira-ministra da Islândia, Jóhanna Sigurðardóttir. Jónína Leósdóttir é autora de doze peças de teatro (várias das quais foram produzidas para televisão, rádio, e palco), cinco romances, várias poesias, duas biografias, e uma coleção de artigos que produziu especificamente para uma revista destinada ao público feminino; além disso fez várias traduções de livros de inglês para islandês. Trabalhou como editora e jornalista a tempo integral vinte e cinco anos, mas recentemente passou a ocupar todo o seu tempo como escritora."

Se isto tivesse ocorrido em Portugal, caía o governo e a Igreja restaurava a fogueira inquisitorial no Rossio. O que vale é que isto passou-se lá pelas bandas do círculo polar ártico. Nem o Sol se põe, como é que se pode esperar que as famílias sejam iguais? Sabe-se lá quando é que se acorda no dia seguinte transformado em biscoito de cinza vulcânica?...

Arte-terapia educacional


A Arte-Terapia Educacional distingue-se como método e tratamento psicológico, integrado no contexto psicoterapêutico e agora aplicado em contexto educacional.

Esta técnica origina uma relação terapêutica particular, assente na interacção entre o sujeito (criador), o objecto de arte (criação) e o terapeuta (receptor).

“O recurso à imaginação, ao simbolismo e a metáforas enriquece e incrementa o processo.
As características referidas facilitam a comunicação, o ensaio de relações objectais e reorganização dos objectos internos, a expressão emocional significativa, o aprofundar do conhecimento interno, libertando a capacidade de pensar e a criatividade.”


(Ruy de Carvalho, 2001).

Becas

Pintura: Roberto Chichorro, Namoro em tempo de flor de jacarandá

Rio 2016 tem um projecto de sustentabilidade


"O desafio passou por conceber uma estrutura vertical localizada na ilha de Cotonduba que, além de ter a função de torre de observação, se torne num símbolo de boas-vindas para quem chegar ao Rio de Janeiro por via aérea ou marítima, uma vez que esta será a cidade anfitriã dos Jogos Olímpicos de 2016.


Projectada pelo gabinete RAFAA, sedeado em Zurique, na Suíça, e denominada «Solar City Tower», esta estrutura foi escolhida como a resposta adequada à proposta inicial e tem a potencialidade de gerar energia suficiente não só para a aldeia olímpica, como para parte da cidade do Rio.


A sua concepção permite-lhe aproveitar a energia solar diurna através de painés localizados ao nível do solo, ao mesmo tempo que a energia excessiva produzida é canalizada para bombear água do mar pelo interior da torre, produzindo um efeito de queda de água no exterior. Esta água é simultaneamente reaproveitada através de turbinas com o objectivo de produzir energia durante o período nocturno.


Estas características permitem atribuir o epíteto de torre sustentável a este projecto, dando continuidade a alguns dos pressupostos do «United Nation´s Earth Summit» de 1992, que ocorreu igualmente no Rio de Janeiro, contribuíndo para fomentar junto dos habitantes da cidade a utilização dos recursos naturais para a produção de energia.


A Solar City Tower engloba ainda outras funcionalidades. Anfiteatro, auditório, cafetaria e lojas são acessíveis no piso térreo, a partir do qual se acede igualmente ao elevador público que conduzirá os visitantes a vários observatórios, assim como a uma plataforma retráctil para a prática de bungee jumping.


No cimo da torre é possível apreciar toda a paisagem que circunda a ilha onde estará implementada, bem como a queda de água gerada por todo o sistema que integra a Solar City Tower, tornando-a num ponto de referência dos Jogos Olímpicos de 2016 e da cidade do Rio de Janeiro."


Enviado por GABI

Meu comentário:
Estas Olimpíadas constituem assim uma ocasião para desenvolver a preservação ambiental, combatendo o desperdício e aproveitando os recursos naturais para a produção de energias limpas, naquela que é considerada uma das mais belas cidades do mundo.
Prova-se deste modo que é possível conceber projectos energéticos alternativos, que não poluem o ambiente e cuidam da Natureza, ao mesmo tempo que se criam verdadeiras obras de arte, no caso, esta belíssima cascata sobre uma ilha, no recorte do litoral do Rio de Janeiro.

Selo blogger versátil

Esta foi uma distinção atribuída pela Tukakubana. Visa distinguir os bloggers que publicam poemas, histórias, ensaios e mensagens de conteúdo relevante. Muito obrigada por este prémio, Tuka. Oportunamente vou redistribuí-lo a outros bloggers igualmente versáteis.

sábado, 26 de junho de 2010

Filme "Flor do Deserto" - a não perder


Adaptado do livro autobiográfico de Waris Derie "Flor do Deserto", o filme é interpretado pela belíssima actriz e modelo Liya Kebede (na foto).
Waris descreve a sua experiência de mutilação genital em criança e a sua luta pela denúncia de uma situação bárbara que ainda hoje faz milhões de vítimas.
Um filme pungente e interpelador, a que ninguém pode ficar indiferente.




Já a 11 de Junho de 2010 aqui deixei um fragmento do discurso de Waris Derie na Assembleia Geral das Nações Unidas, com um texto que é mais do que uma mera tradução. Reflecte também o meu sentir e o modo como me choca deparar com realidades que nem na barbárie seriam admissíveis.

Assumo que este tema me interpela pessoalmente de uma maneira muito forte. Chorei ao ver o filme. É visceralmente chocante e aberrante a persistência destas práticas no mundo do século XXI. É tempo de combater efectivamente os mitos e ritos que atentam contra a integridade física das mulheres e crianças, e, por consequência, contra os direitos humanos.

Lelé Batita

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Waris Derie




Waris Dirie nasceu em 1965 na Somalia. Foi modelo, escritora e actriz. Hoje é activista dos Direitos Humanos.

Tendo sido sujeita em criança ao corte dos órgãos genitais, sobreviveu a uma severa infecção que sucedeu a essa atrocidade, mas perdeu duas irmãs que não resistiram aos ferimentos. Aos treze anos fugiu de casa, atravessou durante dias o deserto até conseguir chegar à capital e encontrar a sua avó que a embarcou para Londres. Ali ficou durante anos refugiada na Embaixada a trabalhar como criada, até à retirada de todo o staff quando rebentou a guerra civil na Somália.

Passou a empregada de um MacDonald até ao dia em que um fotógrafo reparou na sua beleza e a convidou a visitá-lo no seu estúdio. Tornou-se modelo e ascendeu ao mundo das mais conceituadas revistas de moda, como a Vogue e a Elle, marcas de cosmética como a Revlon e a L'Oreal, e de alta costura como a Chanel e a Levi's. Desfilou nas passerelles de Londres, Paris, Milão e Nova Yorque, ao lado das mais famosas top-models do mundo.

Mas foi no dia em que teve a coragem de contar numa entrevista à Marie Claire (em 1997) que foi submetida a uma terrivel mutilação genital em criança, que o mundo reparou verdadeiramente em Waris Derie. No mesmo ano foi nomeada Embaixadora Especial da ONU (de 1997 a 2003) pela sua luta para acabar com a mutilação genital feminina no mundo. Ainda no mesmo ano teve uma pequena participação como actriz num filme de James Bond.

A sua luta não mais parou e a sua coragem levou-a a escrever em 1998 o livro auto-biográfico "Flor do Deserto", agora adaptado ao cinema.

Vive actualmente em Viena de Áustria, onde adquiriu nacionalidade e gere a sua Fundação, criada em 2002. Detém os títulos de "Women’s World Award" concedido pelo ex-presidente russo Mikhail Gorbachev em 2004 e Chevalier de la Légion d'honneur, concedido pelo presidente francês Nicolas Sarkozy em 2007.

Deixo-vos com o apelo de Waris Dirie na primeira pessoa, para que se juntem a esta causa.

Lelé Batita



Imagens do site oficial da Waris Derie Foundation. Amplie para ler.

Inquietação

Esta excelente canção é o que melhor exprime o meu sentimento em relação às notícias bombásticas dos mega-agrupamentos de escolas.
Se já assim (como estão as escolas), irá difícil gerir o novo ECD e a nova ADD (que de novos pouco têm), com departamentos de uma centena de professores e milhares de alunos vai ser o caos...
Isto pode significar o fim de todas as nossas pretensões de trabalho pedagógico.
Só posso sentir uma grande inquietação, que, em mim, é sempre prenúncio de uma grande tristeza que vem a seguir.


O Presidente de todos os ressentidos


"Cavaco Silva disse uma vez que os livros de Saramago lhe desagradavam porque tinham demasiadas vírgulas. As explicações com que o Presidente da República justificou a sua ausência do funeral de Saramago tinham demasiadas reticências."

Ricardo Araújo Pereira
Ler o artigo completo na Visão

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Bom dia de S. João


São os desejos da Pérola de Cultura para todos os leitores, colaboradores, seguidores e demais amigos.

Prémio Blogue Amigable


“Este Prémio é o reconhecimento dos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc... que em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras e suas palavras.

Este selo foi criado com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web”.


Prémio do Blogue "Um Farol Chamado Amizade" que teve a amabilidade de partilhá-lo comigo. Está disponível para todos os seguidores da Pérola de Cultura.

"É que hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há!"



Para o mais recente e jovem comentador deste Blogue.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Carta aberta ao MUP, APEDE e PROMOVA


A apelar ao reacender da chama.
Antes que a agonia nos faça morrer de pé.
Do professor Luís Costa. Aqui.

Recomeça a guerra (ou muito me engano)


"O novo estatuto da carreira docente publicado hoje pelo governo em Diário da República é de "fidelidade absoluta" relativamente ao que foi negociado, garante a Federação Nacional de Professores (FENPROF) ao i. "O texto é exactamente aquele que foi negociado", garatiu António Avelãs, da direcção da federação, acrescentando: "Não é o estatuto que gostaríamos de ter mas foi aquele que conseguimos".
O novo estatuto da carreira docente foi hoje publicado em Diário da República e prevê o fim da distinção entre professores e professores titulares."


i on-line

Decreto-Lei 75/2010 de 23 de Junho

O imaginário segundo Gilbert Durand

Gilbert Durand é o autor francês que recupera no século XX a noção de imaginação, anteriormente associada ao erro e à fantasia.

O Imaginário é, de acordo com o autor, o “Conjunto de imagens e das relações das imagens que constitui o capital pensado do homo Sapiens – aparece-nos como o grande denominador fundamental onde se vêm encontrar todas as criações do pensamento humano”.

Durand pensa que a Imaginação Simbólica possui uma força dinâmica que reconfigura o real, que possibilita o acesso ao sentido permitindo aceder à dimensão profunda da realidade e faz a ligação entre a realidade e o conjunto das suas significações. Assim, a imaginação nega o nada, a morte e o tempo.


BECAS

terça-feira, 22 de junho de 2010

Anorexia intelectual


"Não podemos esquecer que os professores de todo o mundo estão a adoecer colectivamente.
Os professores são cozinheiros do conhecimento, mas preparam o alimento para uma plateia sem apetite.
Qualquer mãe fica um pouco paranóica quando os seus filhos não se alimentam.
Como exigir saúde dos professores, se os seus alunos têm anorexia intelectual?"


Augusto Cury

Enviado por Gabi

Cavaco Silva: Bento XVI sim, Saramago não!



"Ele até disse os nomes dos meus netos, um a um, foi repetindo todos!"
Cavaco Silva

Evidentemente, sendo Saramago arrasado como foi no próprio dia do seu funeral, pelo jornal do Vaticano, a posição do presidente, coerentemente, só podia ser a de recusar-se a participar das cerimónias.

Em vez da presença, mandou os faxes, a coroa, e assunto arrumado, pois o que interessa é o beijo no anel papal, que o pontífice até decorou os nomes da criançada Silva.

Tal como no tempo da outra senhora se dizia, "quem não é por mim é contra mim". Portanto, sendo o Vaticano contra José e Cavaco pelo Vaticano, logo Cavaco é contra José. A matemática nestas coisas nunca falhou e a propriedade transitiva também não. Impecável, esta lógica salazarista, mais actual do que nunca!

Eu acho que quem andou a calcorrear Portugal de lés-a-lés atrás do Papa não ficava bem num funeral de um ateu, assim a atirar para o herege e, ainda por cima, velado num espaço que é tudo menos sacro-santo. Com direito a Bach e tudo, tocado por uma violoncelista vestida - heresia das heresias! - com um vestido vermelho de Pilar usado por esta na ocasião do Nobel!

Um funeral assim um bom bocado vermelho; eu quase posso jurar que vi o Satanás espreitar furtivamente atrás de uma coluna quando tentava fotografar à socapa dos seguranças a coroa de flores enviada pelo Fidel!

Aquilo parecia um funeral a atirar para o esquerdista, tal a quantidade de cravos que caíam sobre a urna, que, por mais um pouco, só faltava a populaça entoar ali mesmo, no cemitério a "Grândola, vila morena/terra da fraternidade", à mistura com os exemplares autografados do Memorial, da Jangada e quejandos, agitados no ar, quais planfletos, quais bandeiras de uma cultura que esbraveja para não morrer junto com o escritor.

Eram muitos intelectuais, artistas, actores, músicos. Políticos da esquerda, pois claro, que chatice! Escritores e poetas, então eram aos molhos. O que poderia ali fazer Cavaco? Nem Maria ali teria a companhia de senhoras de véu e terço, nem incenso, nem hóstia! Não havia beija-mão, nem ninguém se podia entreter com um pedaço de bolo-rei para trincar!

Era muito povo, sei lá, se calhar até alguns não sabem ler, têm de mandar o vizinho soletrar em voz alta o romance. "Tão lindo, tão lindo!" Vinham de longe, falavam a cantar, traziam bandeiras e cravos vermelhos. Talvez cheirassem a suor. Mas não tinham vergonha de chorar o seu "camarada", o escritor que levou o seu linguajar numa escrita oralizada até ao fim do mundo. Mesmo que esse fim não seja o céu mas os quintos dos infernos!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Flores de jacarandá






Para a despedida desta Primavera fresca não quis deixar de fotografar as flores de jacarandá do Parque Eduardo VII, que permanecem exuberantes.

Fotos de (c)Pérola de Cultura

"E agora, José?"


O poema que envio é de Carlos Drummond de Andrade e o próprio Saramago refere, numa das suas crónicas, que o acompanhava desde sempre e considerava mesmo um privilégio dispor dele, porque se chamava José e, ao longo da vida, muitas vezes se interrogou: "E agora, José?"

Acho que o poema e/ou interrogação faz sentido, após estes dias de consternação e tristeza, por isso não quis deixar de o enviar. No entanto, hoje já é um novo dia e temos que o encarar com serenidade, para continuar a caminhada...
L.A.

JOSÉ

"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

(...)

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?"


Carlos Drummond de Andrade

Ilustração de Tacci, in Portugal, caramba!

domingo, 20 de junho de 2010

"A Morte é só nossa e parte connosco"


Ao lusco-fusco, pairava sobre Lisboa aquela luminosidade ténue dos fins de tarde especiais. Uma névoa deixava entrever, de quando em vez um raio de sol que teimava em espreitar. Reinava uma calma que parecia propositada para aquele momento de recolhimento.

A nobre escadaria, ladeada pelos imensos castiçais dourados tinha ontem uma luz especial derramada pela clarabóia.

Cheirava a flores como se fosse um campo primaveril. As cerca de trinta coroas sumptuosamente arranjadas com flores naturais e estrategicamente colocadas, emprestavam ao ambiente um perfume que nada tinha a ver com morte, no sentido lúgubre a que fui habituada.

Aquele que tinha sido até há poucas horas o rosto de José, estava agora emudecido, placidamente aguardando o desfecho daquele fim, já que em nenhuma outra trajectória acreditava.

Nunca tinha visto um morto de óculos. Pilar não deve ter querido alterar-lhe a imagem de todos conhecida. Ele não tinha uma expressão de agonia, nem de sofrimento, antes uma tranquilidade de quem cumpriu o caminho e dorme agora, serenamente, o sono dos justos.

Eu estava pela primeira vez a participar num velório fora de um espaço religioso. As missas, o cheiro a mofo das capelas funerárias e os choros, quantas vezes postiços, sempre me irritaram muito, para não falar dos cumprimentos, efusivamente falsos, às famílias dos defuntos.

Ali tudo era diferente. Um morto que fora ateu, em espaço público, profano, arejado, belo, iluminado, enquadrado por magníficas pinturas onde sobressaem heróis reais da cultura portuguesa, faziam parecer aquele velório uma cena irreal, como se de um filme se tratasse.

No entanto, a autenticidade e a simplicidade despretensiosa que se respirava ali, tinham tudo a ver com o sentimento identitário que algumas figuras da cultura portuguesa, por serem especiais, genuinamente fazem nascer nos cidadãos anónimos.

Não era preciso dar condolências, nem chorar, nem fingir desgosto, nem fazer o sinal da cruz, nem ajoelhar, nem rezar, nem fungar para o lenço, nem deixar mensagens pré-formatadas em fitas brancas ou lilases. Apenas comparecer, numa interioridade discreta, prestar uma homenagem cuja forma só o íntimo de cada um concebera, aceitar este luto e partir. Silenciosamente, como se entrou.

As memórias, essas ficarão com cada um dos cidadãos que, como eu, quiseram despedir-se de José. Esse mesmo, o que tem nome de erva. Para muitos uma erva daninha, adubada de nefasta heresia, ainda hoje condenada pelo jornal oficial do Vaticano, que nem perante a morte mostra qualquer tolerância. Mas para muitos outros uma erva-doce de lucidez, de autenticidade e de criatividade, temperada de uma coragem como só se conhece raramente.



Fotos de (c)Pérola de Cultura

Apenas uma intermitência da morte


"Foi serralheiro e funcionário público. Comunista. Amado e detestado. Começou a viver da escrita passava dos 50 anos. Conheceu Pilar já sexagenário. Recebeu o Nobel da Literatura – o único dado à língua portuguesa – aos 76 anos. Partiu ontem. Sem “nenhuma esperança”. De “mão dada” com a criança que foi numa aldeia do Ribatejo."

“Quando me for deste mundo, partirão duas pessoas. Sairei, de mão dada, com essa criança que fui”, disse Saramago em 2006.

“Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de a conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”, disse Saramago um dia, numa das várias muito belas declarações públicas de amor a Pilar."

“A finitude é o destino de tudo. O Sol, um dia, apaga-se”.


In Público, 19/06/2010

Ilustração de (c)João Caetano

sábado, 19 de junho de 2010

In Memoriam - A “metáfora” da morte em Saramago


Recebi este contributo para ajudar a perpetuar a memória de Saramago. Tal como eu, também L.A. é uma admiradora deste que agora, embora partindo, conquistou a imortalidade.
Deixo aqui o seu trabalho de compilação de textos alusivos ao momento. Que “sirva para reflexão”, como ela diz.


Aprendemos com as obras notáveis de José Saramago que a morte não é um fim, afinal é uma libertação se soubermos viver a vida…e ele soube, como diria o grande poeta Camões, libertar-se da “lei da morte”.
L.A.

“(..) filosofamos é por saber que morreremos, monsieur de Montaigne já tinha dito que filosofar é aprender a morrer.”
As Intermitências da Morte

“(...) tudo quanto é nome de homem vai aqui, tudo quanto é vida também, sobretudo se atribulada, principalmente se miserável, já que não podemos falar- lhes das vidas, por tantas serem, ao menos deixemos seus nomes escritos, é essa a nossa obrigação, só para isso escrevemos, torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende(...)”
Memorial do Convento

“São onze os supliciados. A queima já vai adiantada, os rostos mal se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro de seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda.”
Memorial do Convento

“Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer.» Assim mesmo. Eu estava lá.”
As Pequenas Memórias

"Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu."
As Intermitências da Morte

Enviado por L.A.

Porque me lembrei das palavras de Camões?


"E aqueles que por obras valerosas
se vão da lei da Morte libertando"


Camões, "Os Lusíadas", Canto I, 2ª estrofe

Há quem o odeie por ter sido comunista, pobre, ateu e ousado.
Apesar de não ser bonito e não ter grau unversitário, era frontal e dono de uma alma suficientemente nobre para lutar pelos direitos humanos e dos animais, e contra a hipocrisia!

Os grandes homens nunca morrem



“Não é verdade. A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: «Não há mais que ver», sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já”.

José Saramago, "Viagem a Portugal", Caminho - O Campo da Palavra, Lisboa 1995, p. 387.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O ano da morte do anti-Cristo


Este foi o segundo anti-cristo que conheci. O primeiro chamava-se Friederich Nietszche e foi igualmente maldito.

Pode-se adorar ou odiar Saramago. Não conheço ninguém que lhe ficasse indiferente. Ele marcou uma autêntica revolução na escrita. Nunca antes dele eu tinha visto recriar a língua desta forma: parágrafos de uma página, vírgulas em vez de pontos, formavam jorros de uma nova literatura que desafiou todas as convenções linguísticas.

Com uma produção literária irregular, Saramago publicou o seu primeiro romance aos 27 anos, mas chegou a ficar 20 anos sem escrever; contudo, a maturidade trouxe-lhe uma inspiração sem limites que permitiu a escrita de romances absolutamente imortais e que o elevaram ao prémio Nobel.

Tão ousado como a sua escrita era o próprio homem; odiando a hipocrisia, Saramago era a antítese do cobarde. Assumidamente anti-cristão e ateu, enfrentou sem pudor dogmas que o colocaram nos “cornos da Lua” face aos sectores mais conservadores e religiosos da sociedade portuguesa. O famoso processo despoletado pelo ataque de Sousa Lara (o tal que confundia Thomas Mann com Thomas More), custou um enorme mal-estar a Saramago, que acabou por mudar de residência para Lanzarote com a sua Pilar. Alguns acusaram-no de “abandonar o seu país”, quando talvez tenha sido o país que o abandonou a ele.

Nos últimos anos houve tentativas para “recuperar” esta figura da cultura portuguesa, antes que os espanhóis o reivindicassem para si, como autor residente, que já falava mais tempo em castelhano do que em português.

O reconhecimento acabou por ser legitimado com a adopção como leitura obrigatória do “Memorial do Convento” nos programas de literatura do 12º Ano. Aquilo a que muitos adultos não quiseram aderir seria, afinal, validado por milhares de jovens, que ficaram fascinados com aquela escrita irreverente e tão diferente dos clássicos.

Tive a felicidade de ver em Lisboa uma peça espantosa adaptada do “Evangelho segundo Jesus Cristo” que, qual pedrada no charco, retratava um Cristo humanizado, que assumia o seu amor por Maria Madalena. Paralelamente estreava em Milão “Blimunda”, ópera inspirada no seu “Memorial”. Fernando Meirelles, o realizador da “Cidade de Deus” imortalizou no cinema o seu “Ensaio sobre a Cegueira”, e por fim, Pedro Almodovar filmou os amores de Saramago e Pilar.

O primeiro escritor português a ser premiado com o Nobel está traduzido em 30 línguas e foi publicado em mais de 50 países, incluindo os EUA, onde já vendeu um milhão de livros.

Definitivamente, Saramago, ficará para sempre na minha memória não só como um escritor genial, mas também como o cidadão crítico e interventivo que era, um humanista, símbolo do inconformismo e inimigo da hipocrisia.

Em 2005 no romance “As Intermitências da Morte” Saramago escreveu: “Não me falem da morte. Eu já a conheço por dentro”. E no seu Blogue: “Creio que na nossa sociedade actual nos falta Filosofia”.

Quando atribuiu o Nobel em 98, a Academia revelou que Saramago antes de ser romancista, já tinha sido poeta, ao que ele respondeu que "antes de ser poeta, já tinha sido pobre".

Penso que os artistas geniais deviam ser proibidos de morrer. Saramago ficará para sempre “levantado do chão”!

José Saramago 1922-2010


Poema à boca fechada

"Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo."


José Saramago

(Poema enviado por Ana Silva)

"O escritor José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, morreu hoje, em Lanzarote, vítima "de uma múltipla falha orgânica", após uma longa luta contra o cancro. O corpo estará em câmara ardente a partir das 17h00 na ilha espanhola e o funeral será em Lisboa."

Ler mais na Visão

A propósito do carinho de certos animais...


Esta fotografia premiada foi tirada em Portugal.
Enviada pela Gabi.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O filósofo e o lobo



Uma história insólita de onze anos de amizade e companheirismo entre um lobo e um filósofo, que o adoptou em pequenino, o acarinhou e educou, ao ponto de andar com ele nos transportes públicos, como se fosse um cachorro de trela...

Faz-me recordar o saudoso Professor Agostinho da Silva, que vivia em perfeita harmonia com os seus muitos gatos.

Dir-se-ia que este é o verdadeiro espírito do Budismo, que encara todos os seres com os mesmos direitos à vida e à dignidade na sua existência, ou os antigos Pitagóricos, que reconheciam a existência do espírito nas formas de vida ditas "inferiores", cabendo ao homem reconhecer-se nessa irmandade.

Uma história comovente! Para ler aqui.

Freud sobre a pintura de Leonardo Da Vinci


Recordação de um Sonho de Leonardo da Vinci é a obra de Freud em que a ciência, a literatura, a psicanálise e a mitologia se encontram e de onde surgem novas noções complexas, utilizadas pela primeira vez pelo autor.
Trata-se da relação entre a pulsão epistemofílica e o narcisismo na sua primeira biografia psicanalítica.
Na obra publicada em 1910 e traduzida pela primeira vez para francês por Marie Bonaparte em 1927, com o título Un Souvenir d’enfance de Léonard da Vinci, Freud estava consciente de que corria o risco de provocar um escândalo, ao abordar a sexualidade de um dos mais célebres criadores do mundo.
Procurou, sobretudo, esclarecer o processo de sublimação (Sublimierung) no qual se desenvolveram pulsões de investigação e de saber, ali onde as pulsões sexuais tinham adormecido.
No caso de Leonardo, a libido escapa ao destino da repressão sendo sublimada, primeiramente sob a forma de curiosidade e depois em instinto de pesquisa.

BECAS

Dia Mundial contra a desertificação



Este dia visa alertar para os perigos da desertificação, com os riscos inerentes para a sobrevivência de animais e pessoas e também sensibilizar para as medidas que podemos tomar para não desperdiçar água, um bem que pode acabar por escassear.

Existem no mundo mil milhões de pessoas a viver em regime de seca prolongada, e portanto, com a vida a prazo.